Um asco, o artigo "L'onnipotenza (presunta) del narratore" no L'Osservatore Romano de hoje, a contrastar com o texto sereno da Igreja portuguesa: "O Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura expressa o seu pesar na morte de José Saramago, grande criador da língua portuguesa e expoente da nossa cultura. José Saramago ampliou o inestimável património que a literatura representa, capaz de espelhar profundamente a condição humana nas suas buscas, incertezas e vislumbres.
Como é público, o cristianismo e o texto bíblico interessaram muito ao autor como objecto para a sua livre recriação literária. Há uma exigência e beleza nessa aproximação que gostaríamos de sublinhar. O único lamento é que ela nem sempre fosse levada mais longe, e de forma mais desprendida de balizamentos ideológicos. Mas a vivacidade do debate que a sua importante obra instaura, em nada diminui o dever da cordialidade de um encontro cultural que, acreditamos, só pode ser gerado na abertura e na diferença." (Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura).
Muito bem, a blogosfera portuguesa - mesmo a de direita (31 de Armada, incluído; menos bem o Blasfémias).
Como é público, o cristianismo e o texto bíblico interessaram muito ao autor como objecto para a sua livre recriação literária. Há uma exigência e beleza nessa aproximação que gostaríamos de sublinhar. O único lamento é que ela nem sempre fosse levada mais longe, e de forma mais desprendida de balizamentos ideológicos. Mas a vivacidade do debate que a sua importante obra instaura, em nada diminui o dever da cordialidade de um encontro cultural que, acreditamos, só pode ser gerado na abertura e na diferença." (Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura).
Muito bem, a blogosfera portuguesa - mesmo a de direita (31 de Armada, incluído; menos bem o Blasfémias).
Muito mal, o senhor Presidente da República, a mostrar a sua total falta de grandeza humana e de Estadista: "Sendo um momento importante para o Estado português, ninguém faria questão que lá estivessem o Aníbal ou o Cavaco. Mas o Presidente da República, esse, nunca poderia faltar à última homenagem ao único prémio Nobel da Literatura de língua portuguesa. A um dos mais importantes escritores do século XX. Àquele que, com Pessoa, atingiu maior notoriedade internacional. É incoerente decretar dois dias de luto nacional e depois estar ausente da cerimónia oficial.
Cavaco Silva mostrou este fim-de-semana que, mesmo no cargo que ocupa, não consegue ser mais do que ele próprio. Não consegue representar o País. E um Presidente que não está acima da sua pequenez, que não percebe a grandeza de um cargo que o transcende, é e será sempre um mau Presidente." (Daniel Oliveira).
Muito mal o pateta que dá pelo nome de Duarte Pio, a quem muita gente insiste em tratar por "dom". Mas ser infeliz é o seu destino.
Muito bem a selecção nacional e a federação portuguesa de futebol.
Um dia destes quero escrever sobre Saramago. O escritor venerado por tantos, de Eduardo Lourenço a George Steiner, de Harold Bloom a Susan Sontag, mas desprezado pelos medíocres que ninguém conhece do outro lado da sua própria rua.
Cavaco Silva mostrou este fim-de-semana que, mesmo no cargo que ocupa, não consegue ser mais do que ele próprio. Não consegue representar o País. E um Presidente que não está acima da sua pequenez, que não percebe a grandeza de um cargo que o transcende, é e será sempre um mau Presidente." (Daniel Oliveira).
Muito mal o pateta que dá pelo nome de Duarte Pio, a quem muita gente insiste em tratar por "dom". Mas ser infeliz é o seu destino.
Muito bem a selecção nacional e a federação portuguesa de futebol.
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Um dia destes quero escrever sobre Saramago. O escritor venerado por tantos, de Eduardo Lourenço a George Steiner, de Harold Bloom a Susan Sontag, mas desprezado pelos medíocres que ninguém conhece do outro lado da sua própria rua.
Gostaria de destacar os belíssimos textos de Francisco José Viegas e de Manuel Gusmão. Transcrevo o do primeiro:
"A consagração de Saramago deve-se à literatura e à sua «intervenção cívica» — mas só a literatura, que está ligada à eternidade, o irá transcrever mais tarde nas palavras da terra, no gigantesco poema do mundo, onde entrará Manual de Pintura e Caligrafia, por exemplo, um livro injustamente esquecido, e essa «trilogia do cânone» [Memorial do Convento, O Ano da Morte de Ricardo Reis e Ensaio sobre a Cegueira] e onde estão inscritas as linhas de quase toda a sua obra: a atenção aos pequenos personagens (quase anónimos, quase insignificantes), o absurdo da História, a ideia de epopeia, a fragilidade do humano e do humanismo.
Tanto em Levantado do Chão como em Memorial do Convento ou em Todos os Nomes, os seus grandes personagens são essencialmente humildes, anónimos e colhidos (e escondidos) da massa da multidão. Baltazar e Blimunda em vez do rei que manda construir o convento de Mafra; os camponeses e o cão atravessando os campos do Alentejo e ressuscitando no final, em vez dos «exemplos de classe"; uma mulher anónima e discreta que enfrenta a cegueira do mundo e interpreta as suas metáforas. Mesmo o amor, mesmo o amor: é uma das suas mais belas histórias de amor, a de História do Cerco de Lisboa, a que é vivida pela editora e pelo revisor — ele, mais uma vez, o homem anónimo, humilde, modesto, que representa toda a modéstia e toda a humildade dos homens e mulheres sem história (à maneira de Gogol; ou encarando o absurdo, como Kafka).
Creio, acreditei sempre — e escrevi-o — que Saramago era um homem extremamente religioso. Só um homem religioso pode rondar a blasfémia e interrogar directamente a figura de um Deus «humanamente injusto». O resto é polémica, passagem, indignações. O que passará à eternidade é isso: talento, trabalho, dedicação" (Francisco José Viegas).
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