A disciplina de Filosofia tem ocupado um lugar respeitável nos diversos ordenamentos curriculares dos últimos 30 anos. Na reforma curricular de 1979, por exemplo - a melhor estrutura curricular que conheci - a Filosofia ocupava um lugar central enquanto disciplina obrigatória para todos os cursos (tronco comum), situando-se no âmbito das disciplinas de «formação geral» dos 10.º e 11.º anos de escolaridade, com 3 horas por semana. O lugar central da disciplina era reforçado ao nível do 12.º ano - via de ensino, em que a Filosofia era a «disciplina-base» do 3.º curso, justamente o que dava acesso aos cursos das áreas das humanidades e das ciências sociais e humanas, incluindo o curso de Direito, usufruindo de 4 horas semanais. O prestígio da Filosofia reflectiu-se no incremento das publicações nessa área, na proliferação de revistas e no número crescente de traduções de textos clássicos e contemporâneos, sem paralelo em outras épocas históricas. Mesmo a introdução dos cursos técnico-profissionais não afectou o estatuto da disciplina, a qual era obrigatória mesmo nessa modalidade de ensino.
A reforma curricular de 1989 manteve o estatuto da disciplina nos 10.º e 11.º anos, atribuindo-lhe, no entanto, a infeliz designação de «Introdução à Filosofia», na sequência, aliás, da tentativa de eliminação da disciplina e sua substituição por «História das Ideais e da Cultura». Mas, ainda assim, a disciplina existia e em condições de igualdade, quer nos cursos de carácter geral, quer nos cursos tecnológicos. Ao integrar definitivamente o 12.º ano no ensino secundário, a disciplina de Filosofia perdeu a dignidade de disciplina fundamental e foi remetida para o elenco das disciplinas de «opção». No entanto, o facto de, avisadamente, as faculdades de Direito, por exemplo, elegerem a Filosofia como disciplina específica para acesso aos seus cursos, permitiu que a disciplina fosse bastante procurada. Razões que se prendem com a própria estrutura do programa da disciplina no 12.º ano mantiveram o ritmo e a qualidade das publicações e das traduções.
No que diz respeito ao ensino nocturno, a Filosofia tinha um estatuto similar ao que tinha no ensino diurno, existindo no Curso Complementar dos Liceus e no 12.º ano. Nem a introdução do ensino recorrente no nosso sistema educativo afectou de modo considerável o estatuto da Filosofia, sem prejuízo da extinção da via de ensino do 12.º, a exemplo do que aconteceu no ensino diurno.
O processo de revisão curricular de 2001-2004 e as sucessivas alterações ao modelo deram alguns sinais contraditórios. Por um lado, aumentou-se a carga horária da disciplina em uma hora semanal (entretanto convertida em blocos) e estabeleceu-se o paralelismo entre o ensino diurno e o ensino recorrente por módulos capitalizáveis. Por outro, as trocas-baldrocas a que a disciplina foi sujeita ao longo dos vários ensaios de revisão até 2004 - existia no 12.º ano; não existia no 12.º ano, trocada por Ciência Política; como não existia, o exame passou para o 11.º ano; afinal existe no 12.º ano, mas esqueceram-se de voltar a passar o exame para o 12.º ano! -, bem como a paulatina extinção dos cursos tecnológicos originou um resultado catastrófico. A disciplina praticamente só existe nos cursos de prosseguimento de estudos dos 10.º e 11.º anos; quase ninguém escolhe a disciplina no 12.º ano, dado que há disciplinas mais apetecíveis; depois de cerca de dois anos de experiência de exame nacional no 11.º ano (à semelhança de outras disciplinas) a disciplina deixou de estar sujeita a avaliação sumativa externa, i. é, a exame nacional. Nem mesmo para aceder aos cursos superiores de Filosofia é permitido ao aluno realizar exame de Filosofia! Somado a isso, a introdução dos cursos profissionais e a sua proliferação, e em que não está prevista a disciplina de Filosofia mas apenas uma excrescência chamada Área de Integração, levou ao quase desparecimento da disciplina, ao seu apagamento efectivo, estando os seus profissionais sujeitos à leccionação de mil-e-uma matérias que nos deveriam envergonhar a todos.
Para além dos óbvios prejuízos para a educação e para os alunos, o apagamento da Filosofia tem levado a um arrefecimento da produção filosófica, a uma rarefacção das traduções de textos filosóficos - a que as Edições 70, a INCM e a Porto Editora, por exemplo, nos tinham habituado - e a um esvaziamento do papel dos filosófos portugueses e das instituições filosóficas nacionais. Sinal muito evidente disso é o silenciamento de alguns projectos na blogosfera e na Internet em geral, como sejam o Centro para o Ensino da Filosofia, entre outros. As Universidades estão preocupadas com o assunto? Não me parece.
P.S.: O quase-extinto GAVE anunciou a realização de testes intermédias em Filosofia. Pelo que cheirisquei parece-me bem. Pode ser que ainda se salve alguma coisa...
No que diz respeito ao ensino nocturno, a Filosofia tinha um estatuto similar ao que tinha no ensino diurno, existindo no Curso Complementar dos Liceus e no 12.º ano. Nem a introdução do ensino recorrente no nosso sistema educativo afectou de modo considerável o estatuto da Filosofia, sem prejuízo da extinção da via de ensino do 12.º, a exemplo do que aconteceu no ensino diurno.
O processo de revisão curricular de 2001-2004 e as sucessivas alterações ao modelo deram alguns sinais contraditórios. Por um lado, aumentou-se a carga horária da disciplina em uma hora semanal (entretanto convertida em blocos) e estabeleceu-se o paralelismo entre o ensino diurno e o ensino recorrente por módulos capitalizáveis. Por outro, as trocas-baldrocas a que a disciplina foi sujeita ao longo dos vários ensaios de revisão até 2004 - existia no 12.º ano; não existia no 12.º ano, trocada por Ciência Política; como não existia, o exame passou para o 11.º ano; afinal existe no 12.º ano, mas esqueceram-se de voltar a passar o exame para o 12.º ano! -, bem como a paulatina extinção dos cursos tecnológicos originou um resultado catastrófico. A disciplina praticamente só existe nos cursos de prosseguimento de estudos dos 10.º e 11.º anos; quase ninguém escolhe a disciplina no 12.º ano, dado que há disciplinas mais apetecíveis; depois de cerca de dois anos de experiência de exame nacional no 11.º ano (à semelhança de outras disciplinas) a disciplina deixou de estar sujeita a avaliação sumativa externa, i. é, a exame nacional. Nem mesmo para aceder aos cursos superiores de Filosofia é permitido ao aluno realizar exame de Filosofia! Somado a isso, a introdução dos cursos profissionais e a sua proliferação, e em que não está prevista a disciplina de Filosofia mas apenas uma excrescência chamada Área de Integração, levou ao quase desparecimento da disciplina, ao seu apagamento efectivo, estando os seus profissionais sujeitos à leccionação de mil-e-uma matérias que nos deveriam envergonhar a todos.
Para além dos óbvios prejuízos para a educação e para os alunos, o apagamento da Filosofia tem levado a um arrefecimento da produção filosófica, a uma rarefacção das traduções de textos filosóficos - a que as Edições 70, a INCM e a Porto Editora, por exemplo, nos tinham habituado - e a um esvaziamento do papel dos filosófos portugueses e das instituições filosóficas nacionais. Sinal muito evidente disso é o silenciamento de alguns projectos na blogosfera e na Internet em geral, como sejam o Centro para o Ensino da Filosofia, entre outros. As Universidades estão preocupadas com o assunto? Não me parece.
P.S.: O quase-extinto GAVE anunciou a realização de testes intermédias em Filosofia. Pelo que cheirisquei parece-me bem. Pode ser que ainda se salve alguma coisa...