sábado, 1 de maio de 2010

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Passagens Canónicas, I

“É este o fundamento da crítica irreligiosa: o homem faz a religião; a religião não faz o homem. E a religião é, de facto, a autoconsciência e o sentimento de si do homem, que ou ainda não se conquistou ou voltou a perder-se. Mas o homem não é um ser abstracto, acocorado fora do mundo. O homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade. Este Estado e esta sociedade produzem a religião, uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido. A religião é a teoria geral deste mundo, o seu resumo enciclopédico, a sua lógica em forma popular, o seu point d’honneur espiritualista, o seu entusiasmo, a sua sanção moral, o seu complemento solene, a sua base geral de consolação e de justificação. É a realização fantasmal da essência humana, porque a essência humana não possui verdadeira realidade. Por conseguinte, a luta contra a religião é indirectamente a luta contra aquele mundo cujo aroma espiritual é a religião.
A miséria religiosa é, ao mesmo tempo, a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o âmago de um mundo sem coração e a alma de situações sem alma. É o ópio do povo.
A abolição da religião enquanto felicidade ilusória dos homens é a exigência da sua felicidade real. O apelo para que eles deixem as ilusões a respeito da sua situação é o apelo para abandonarem uma situação que precisa de ilusões. A crítica da religião é, pois, em germe a crítica do vale de lágrimas de que a religião é a auréola. A crítica colheu nas cadeias as flores imaginárias, não para que o homem suporte as cadeias sem fantasia ou sem consolação, mas para que lance fora as cadeias e colha a flor viva. A crítica da religião liberta o homem da ilusão, de modo que ele pense, actue e configure a sua realidade como homem que perdeu as ilusões e recuperou entendimento, a fim de que ele gire à volta de si mesmo e, assim, à volta do seu verdadeiro sol. A religião é apenas o sol ilusório que gira à volta do homem enquanto ele não gira à volta de si mesmo.
Por isso, a tarefa da história, depois que o além da verdade se desvaneceu, é estabelecer a verdade do aquém. A imediata tarefa da filosofia, que está ao serviço da história, é desmascarar a autoalienação humana nas suas formas não sagradas, agora que ela foi desmascarada na sua forma sagrada. A crítica do céu transforma-se deste modo em crítica da terra, a crítica da religião em crítica do direito, a crítica da teologia em crítica da política.”

Karl Marx, Para a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Introdução (1844)

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Pico della Mirandola - Discurso sobre a Dignidade do Homem


"Não te demos, ó Adão, nem um lugar determinado, nem um aspecto que te seja próprio, nem tarefa alguma específica, a fim de que obtenhas e possuas aquele lugar, aquele aspecto, aquela tarefa que tu seguramente desejares, tudo segundo o teu parecer e a tua decisão. A natureza bem definida dos outros seres é refreada por leis por nós prescritas. Tu, pelo contrário, não constrangido por nenhuma limitação, determiná-la-ás para ti, segundo o teu arbítrio, a cujo poder te entreguei. Coloquei-te no centro do mundo para que daí possas olhar melhor tudo o que há no mundo. Não te fizemos nem celeste nem terreno, nem mortal nem imortal, a fim de que tu, árbitro e soberano artífice de ti mesmo, te plasmasses e te enformasses, na forma que tivesses seguramente escolhido. Poderás degenerar até aos seres que são as bestas, poderás regenerar-te até às realidades superiores que são divinas, por decisão do teu ânimo."

Giovanni Pico della Mirandola, Discurso sobre a Dignidade do Homem (Oratio de hominis dignitate)

À memória de José Vitorino de Pina Martins

José Vitorino de Pina Martins (1920-2010)

Humanista no verdadeiro sentido da palavra -  cultor das Humanidades -, a erudição do Prof. Pina Martins é um legado para o futuro. Relembro a sua Cultura Italiana (Lisboa, Verbo, 1971), os seus estudos sobre a Menina e Moça (e respectiva edição fac-similada, na Gulbenkian). A importância da sua personalidade enquanto investigar de estudos humanistas e renascentistas em geral e, em particular, sobre Erasmo e o erasmismo, Pico della Mirandola, Camões, Thomas More, Bernardim Ribeiro, entre tantos outros é incomensurável e é dos poucos a ombrear com grandes estudiosos europeus como Eugenio Ascensio, Marcel Bataillon ou Luciana Stegagno Picchio.
Lembre-se que foi Pina Martins o descobridor do Tratado de Confissom (em 8 de Agosto de 1949), o primeiro livro impresso em língua portuguesa até hoje conhecido, que editou.
Relembro a sua fama de grande aquisidor e proprietário de livros raros e valiosos e de preciosos manuscritos, tendo inclusivamente doado à Biblioteca Nacional um dos manuscritos da Menina e Moça, hoje conhecido como o Ms. Bernardiniano da BNL ou Ms. Pina Martins e que antes era de Eugenio Ascensio.
Nunca li a sua obra de ficção, Utopia III, uma sequela da Utopia original de Thomas More. Tenho de ler.

P.S.: O Google Books contém o catálogo da exposição bibliográfica 129 trabalhos científicos de um grande investigador. José Vitorino de Pina Martins, com extensa bibliografia e uma biografia do homenageado, da autoria de Manuel Cadafaz de Matos e editada pela Biblioteca Nacional.

Jacques Brel - Mathilde

Jacques Brel - Rosa



Homenagem ao meu velho professor de Latim, Padre Joaquim Guilherme de Matos, C.M.F.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Estatística vaticana

Parece que havia, no final de 2008, 1 bilião e 166 milhões de católicos baptizados, segundo o Annuarium Statisticum Ecclesiae do Ufficio Centrale di Statistica della Chiesa. Será? E os praticantes? Eu sei que há um sentido teológico-sacramental no facto de se ser, justamente, baptizado. Mas não há possibilidades de saber, a nível global, o grau de participação efectiva. Eu sei que, localmente, se tem apurado essa taxa. Convinha agora saber à escala planetária.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Cravo

Diz Daniel Oliveira:

"Os cravos nas lapelas de Aguiar-Branco e Passos Coelho provam apenas que a direita portuguesa precisou de 36 anos para se libertar da sua relação complexada com a ditadura e fazer as pazes com a revolução. Não foi a esquerda que tomou aquele símbolo como seu, foi a direita que o renegou durante anos. O que não espanta, não tivesse sido o PSD (muito mais do que o CDS) a casa de acolhimento dos quadros locais e intermédios do Estado Novo que procuraram protecção debaixo da asa dos homens da Ala Liberal. Quem se lembra da vitória da Aliança Democrática, no final dos anos 70, lembra-se de como nas bases da AD surgia com tanta facilidade um tom saudosista e revanchista.
Mais recentemente, foi a intelectualidade de direita (e sobretudo os seus novíssimos historiadores) que andou a tentar convencer o portugueses que a coisa até ia bem lançada para chegarmos à democracia de forma “civilizada” e sem baderna na rua.
Em vez de se encaixar no sentimento popular em relação à data a direita passou mais de trinta anos a tentar reescrever a história. Nunca percebeu que, ao mostrar, sobretudo por ressentimento social, tanto incómodo com uma data que a esmagadora maioria dos portugueses lembra com alegria, se condenava a representar um país decadente e anacrónico.
Por ser tão tardio (e ainda não chegou ao Presidente da República), o gesto simbólico e concertado dos dirigentes do PSD denuncia o problema de identidade em que o partido viveu até hoje. Por ter acontecido mostra inteligência táctica da nova direcção: o cravo na lapela transforma o 25 de Abril numa comemoração consensual e retira-lhe a carga ideológica que realmente tem. Faz o corte com o passado. 36 anos depois, o PSD pôs o ressentimento na gaveta."

Família & Amigos


O Senhor Cacau

Descobertas