segunda-feira, 25 de outubro de 2010

As inutilidades didácticas

Há muito que o nosso sistema educativa abunda em inutilidades didácticas. Um caso muito especial são as disciplinas e áreas disciplinares criadas nos ensinos básico e secundário e também no ensino superior (aí o caso pia-mais-fino, chegando a haver situações em que se criavam licenciaturas que mais não eram que o desenvolvimento de capítulos de uma tese que alguém tinha feito: e de uma assentada criavam-se n cadeiras. Mariano Gago fez algum desbaste). No ensino não superior, foram criadas, decerto com intuitos bondosos e edificantes, áreas disciplinares como sejam as diversas áreas de Projecto (3.º ciclo do ensino básico e 12.º ano de escolaridade), o Estudo Acompanhado e a Formação Cívica. As almas que as conceberam - Ana Benevente e seus sequazes - acreditam piamente que tais áreas contribuem positivamente para a aquisição de competências transversais e se constituem como poderosos auxiliares de outras disciplinas. O resultado (não me peçam número, gráficos e estudos!) é o que se vê. No caso da Área de Projecto do 12.º ano, estas actividades prejudicam seriamente a frequência das disciplinas propriamente ditas, fazem os alunos e as famílias gastarem dinheiro inutilmente e produzem resultados que nos deveriam envergonhar. Nem sequer se constituem como actividades de preparação para trabalhos de investigação no ensino superior: as universidades queixam-se, justamente, da incompetência dos nossos alunos em matéria de leitura, redacção e capacidades de pesquisa. Mas há pior. Sobretudo no ensino secundário, foram crescendo disciplinas que não correspondem a áreas científicas reconhecíveis, com estatuto epistemológico indefinido, ou que são, quando muito, matéria de nível pós-graduado. Quando era professor, cheguei a ter que ensinar Psicossociologia num curso tecnológico de animação social bem como a inefável Área de Integração nos cursos profissionais, uma mistela de coisa nenhuma. E qual a razão de se ensinar Ciência Política no 12.º ano, uma invenção de David Justino, em detrimento da Filosofia? E, mesmo, Direito, que as próprias faculdades desconsideram? Terá algum sentido aprender Antropologia ou, mesmo, Sociologia no ensino secundário como se aquilo que se visa alcançar com tal leccionação não fosse possível de alcançar através da História ou da Filosofia? A disciplina, que quase ninguém escolhe, de Clássicos da Literatura só existe como sintoma da má consciência de se ter esvaziado o Português justamente.. de Literatura. Um dia voltarei a esta questão que me parece gravíssima: os jovens portugueses estão praticamente impedidos de aceder ao cânone literário do seu país.
A outra razão para a criação dessas disciplinas prende-se com a dinâmica de publicações, colóquios, conferências, acções de formação que propiciam. Os autores dos programas são os autores dos materiais, são os organizadores das conferências e são formadores e repetem formação contínua sobre essas, digamos, temáticas por todo o país e ad nauseam. É um neverending story!
Enquanto isso, disciplinas fundamentais e aprendizagens de banda larga são claramente desconsideradas e subalternizadas, casos da Filosofia, da História, da Física e Química, da Biologia e Geologia. Um dia pagaremos caro. Já estamos a pagar.

P.S.: Agora que os constrangimentos orçamentais obrigam à extinção de, pelo menos, a Área de Projecto e o Estudo Acompanhado, os sindicatos de professores queixam-se do facto de que cerca de 5 mil docentes - ena tantos! - ficarem prejudicados... Então o problema é esse! Ainda haveremos de chegar à conclusão que as Novas Oportunidades eram, afinal, muito boas. A sua extinção prejudica muita gente e não apenas na 24 de Julho.

Sem comentários: