quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A reforma do Estado

A proposta de extinção de serviços e organismos do Estado e da Administração Pública apresentada por Marques Mendes – “olha que melro!”, como diriam a Juliana e a Tia Vitória d’O Primo Basílio – seria uma proposta a considerar se ela tivesse por base algum princípio lógico reconhecível. Assentando no que o Autor considera «duplicação de funções», Marques Mendes confunde organismos da Administração directa e indirecta com órgãos com estatuto constitucional próprio e exteriores à Administração Pública, confunde meros órgãos de consulta sem relevância orçamental com gabinetes de estudos e confunde institutos da Administração indirecta do Estado com direcções-gerais. A impressão que dá é de um trabalho feito em cima-do-joelho, mal escrito e muito pouco consistente.

Apenas três exemplos:

Marques Mendes, esse iluminado, propõe que as competências da Comissão Nacional de Eleições passem para o STAPE. Para além do facto de o STAPE ter sido extinto há uns anos, é impensável que as competências de uma Comissão prevista no texto constitucional e independente da máquina do Governo – por isso funciona junto da Assembleia da República – possam ser absorvidas por uma direcção-geral de um Ministério, neste caso, a Direcção-Geral da Administração Interna. Trata-se de confundir funções executivas com funções de controlo externo. Nem sei as implicações internacionais que tal facto teria quanto à credibilidade externa e interna dos nossos processos eleitorais.

No que ao Ministério da Educação diz respeito, Marques Mendes propõe e bem que as competências do Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE), do Gabinete de Estudos e Planeamento da Educação (GEPE) e do Gabinete Coordenador do Sistema de Informação do Ministério da Educação (MISI) – que não são institutos públicos, ao contrário do que diz – sejam absorvidas por um único serviço. As atribuições do GAVE nada têm a ver com as dos outros dois. Parece-me que Marques Mandes nem conhece bem as funções de cada organismo e fica-se pelas designações (e nelas se fia). É óbvio que o GEPE deveria absorver a MISI, mas as atribuições do GAVE deveriam ser absorvidas pela Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC), eventualmente rebaptizada como Direcção-Geral da Educação. Sempre me fez muita impressão que as diversas recomposições orgânicas do Ministério da Educação tivessem mantido o GAVE, no fundo uma direcção-geral com a atribuição quase exclusiva de produzir os exames nacionais, à custa de professores nele requisitados e que, estranhamente, se mantêm em funções nas escolas. Estranha-se o silêncio de Marques Mendes quanto à necessária extinção na Agência Nacional para a Qualificação, I.P.
Face à proposta de extinção das direcções regionais de educação – possível, mas apenas a muito longo prazo, com a necessária transferência de competências para as escolas e o correspondente reforço inspectivo – Marques Mendes não apresenta solução para o vazio entretanto criado.

A proposta de extinção da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) – outro órgão exterior à máquina do Governo e na dependência do Parlamento – parece-me ser particularmente grave, dado que esta se constituiu como um órgão de efectiva defesa dos interesses dos particulares face a um Estado fechado e largamente prepotente. Quererá Marques Mendes um regresso ao passado?

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