segunda-feira, 5 de abril de 2010

Proporções

A histeria afecta, hoje, vozes autorizadas da Igreja Católica. A propósito do silenciamento de actos pedófilos praticados por membros do clero surgiram três tipos de reacções:

- as que reduziram tais comportamentos a «questões internas»;
- as que tentaram relativizar, afirmando que outras igrejas e outras instituições também as praticaram;
- as que tentaram transformar as acusações numa campanha contra a Igreja.

Entre as primeiras, temos o pronunciamento do sinistro Cardeal Saraiva Martins, a que me referi em anterior post e sobre o qual Fernanda Câncio escreve um artigo arrasador.
O segundo tipo de reacções é difuso e abunda nas declarações de bispos, padres e leigos. A ideia é de que a pedofilia é praticada no seio das famílias e também no protestantismo, por exemplo, e não se vê ninguém a atacar tais instituições. Em primeiro lugar, não existe A Família e, portanto, não pode ser escrutinada enquanto tal. Também não existe a «Igreja protestante», sendo que cada congregação evangélica, reformada, baptista ou de outra denominação é autónoma. E, ao contrário do que se diz, têm sido bastantes as acusações de actos sexuais com menores feitas a pastores evangélicos, designadamente nos Estados Unidos da América. Só a Igreja Católica possui uma estrutura supranacional hierarquizada. E é, justamente, esta estrutura - que vai do pároco ao bispo, do religioso ao seu superior, da conferência episcopal às congregações romanas e ao próprio Papa - que, durante anos, silenciou as acusações e transferiu padres permitindo a perpetuação dos crimes noutro local. Os que silenciaram foram promovidos e mandados recolher a Roma, como seja o caso do Cardeal Bernard Law, antigo Arcebispo de Boston e actual Arcipreste da Basílica Papal de Santa Maria Maior.
O terceiro tipo de reacções são exemplarmente representadas pela inenarrável comparação feita pelo Pregador da Casa Pontífica, Raniero Cantalamessa O.F.M. Cap., entre as acusações feitas à Igreja e as perseguições anti-semitas. Socorrendo-se de uma carta de um seu amigo judeu, afirma: «Tenho acompanhado com desgosto o ataque violento e concêntrico contra a Igreja, o Papa e todos os féis do mundo inteiro. O recurso ao estereótipo, a passagem da responsabilidade pessoal para a coletividade me lembram os aspectos mais vergonhosos do anti-semitismo.»
Mas esta gente perdeu o sentido das proporções?

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