segunda-feira, 31 de maio de 2010

Ferreira Gullar (n. 1930) - Prémio Camões 2010



Traduzir-se


Uma parte de mim

é todo mundo:

outra parte é ninguém:

fundo sem fundo.


Uma parte de mim

é multidão:

outra parte estranheza

e solidão.


Uma parte de mim

pesa, pondera:

outra parte

delira.


Uma parte de mim

almoça e janta:

outra parte

se espanta.


Uma parte de mim

é permanente:

outra parte

se sabe de repente.


Uma parte de mim

é só vertigem:

outra parte,

linguagem.


Traduzir uma parte

na outra parte

— que é uma questão

de vida ou morte —

será arte?

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