Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
(grafia em uso no Brasil, anterior à data de entrada em vigor do Acordo Ortográfico)
Mostrar mensagens com a etiqueta Poesia. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Poesia. Mostrar todas as mensagens
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
quarta-feira, 23 de junho de 2010
Há festa na minha terra
No dia de S. João
Há fogueiras e folias
Gozam uns e outros não
Tal qual como os outros dias
(Fernando Pessoa, Quadras ao Gosto Popular)
Há fogueiras e folias
Gozam uns e outros não
Tal qual como os outros dias
(Fernando Pessoa, Quadras ao Gosto Popular)
quarta-feira, 9 de junho de 2010
António Manuel Couto Viana (1923-2010) e os escritores conservadores
Morreu há uns dias aquele que era, provavelmente, o último sobrevivente da geração da Távola Redonda (David Mourão-Ferreira, Fernanda Botelho, Alberto de Lacerda, entre outros). Este poema - tardio - representa todo o programa de vida de Couto Viana:
"O poeta e o mundo
Podem pedir-me, em vão,
Poemas sociais,
Amor de irmão p'ra irmão
E outras coisas mais:
Falo de mim - só falo
Daquilo que conheço.
O resto... calo
E esqueço."
(Uma vez uma voz, 1985)
P.S.: Eduardo Pitta presta-lhe, também hoje, homenagem.
*
Não é, propriamente, o caso de Couto Viana, mas há alguns escritores de tradição conservadora que me interessam (para além, obviamente, de Agustina Bessa-Luís).
O primeiro é Joaquim Paço d'Arcos, de quem tenho lido umas magníficas short stories (Neve sobre o Mar, O Navio dos Mortos e Outras Novelas e Carnaval e Outros Contos, etc.) e de quem espero ler o ciclo de seis romances de «Crónica da Vida Lisboeta» e a Cela 27. Em miúdo tinha lido as Memórias duma Nota de Banco. O Autor - outrora muito lido e responsável por haver tantas «Anas Paulas» - tinha mau nome, em parte justificado pelo seu apoio à intervenção da Legião Portuguesa na Sociedade Portuguesa de Escritores e à posterior extinção da mesma, consubstanciado num célebre panfleto. Sei que Paço d'Arcos tinha boa relação com escritores da Oposição - possuo um exemplar de Nus e Suplicantes de Urbano Tavares Rodrigues, em que um dos contos lhe é dedicado, dedicatória essa que é retirada em ulteriores reedições. Sei também - e devo-o a uma conferência de Eduardo Lourenço - que o encostar de Paço d'Arcos à extrema-direita do Regime assentou, em grande parte, num equívoco. Aliás, para além do célebre cosmopolitismo do Autor e do português enxuto é, por exemplo, o erotismo da sua escrita e das suas imagens o que mais o faz estranhar nessa tradição conservadora. Um pouco como Pedro Homem de Mello, embora num registo inverso.
Outros casos são Luís Forjaz Trigueiros - excelente contista -, Tomaz de Figueiredo - cujo vernaculismo é, para mim, um obstáculo como o são Aquilino Ribeiro e João de Araújo Correia -, o escritor católico Francisco Costa, bem como a romancista e ensaísta Esther de Lemos, ainda viva.
terça-feira, 1 de junho de 2010
segunda-feira, 31 de maio de 2010
Ferreira Gullar (n. 1930) - Prémio Camões 2010
Traduzir-se
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?
terça-feira, 20 de abril de 2010
Os Poemas, V
Deixe-me estar aqui, nesta cadeira,
Até virem meter-me no caixão.
Nasci pra mandarim de condição,
Mas falta-me o sossego, o chá e a esteira
De Opiário, de Álvaro de Campos
quarta-feira, 7 de abril de 2010
Os Poemas, IV
estava na cama
deitada
muito calada
a ver
o que acontecia
chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a
é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece
Mário-Henrique Leiria, Rifão Quotidiano (in Novos Contos do Gin-Tónico)
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
Os Poemas, III
Acabou nosso carnaval
Ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações
Saudades e cinzas foi o que restou
Pelas ruas o que se vê
É uma gente que nem se vê
Que nem se sorri
Se beija e se abraça
E sai caminhando
Dançando e cantando cantigas de amor
E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade
A tristeza que a gente tem
Qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir
Voltou a esperança
É o povo que dança
Contente da vida, feliz a cantar
Porque são tantas coisas azuis
E há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar de que a gente nem sabe
Quem me dera viver pra ver
E brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz
Seu canto de paz
Vinicius de Moraes, Marcha da Quarta-Feira de Cinzas
[Infelizmente não existe na Rede nenhuma versão de qualidade]
Ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações
Saudades e cinzas foi o que restou
Pelas ruas o que se vê
É uma gente que nem se vê
Que nem se sorri
Se beija e se abraça
E sai caminhando
Dançando e cantando cantigas de amor
E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade
A tristeza que a gente tem
Qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir
Voltou a esperança
É o povo que dança
Contente da vida, feliz a cantar
Porque são tantas coisas azuis
E há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar de que a gente nem sabe
Quem me dera viver pra ver
E brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz
Seu canto de paz
Vinicius de Moraes, Marcha da Quarta-Feira de Cinzas
[Infelizmente não existe na Rede nenhuma versão de qualidade]
domingo, 7 de fevereiro de 2010
Os Poemas, II
INSCRIÇÃO
Eu vi a luz em um país perdido.
A minha alma é lânguida e inerme.
Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme...
Camilo Pessanha, Clepsidra
Eu vi a luz em um país perdido.
A minha alma é lânguida e inerme.
Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme...
Camilo Pessanha, Clepsidra
segunda-feira, 16 de março de 2009
Os Poemas, I
Ah, que me metam entre cobertores,
E não me façam mais nada!...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!
Lã vermelha, leito fofo. Tudo bem calafetado...
Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira...
Façam apenas com que eu tenha sempre a meu lado
Bolos de ovos e uma garrafa de Madeira.
Não, não estou para mais; não quero mesmo brinquedos.
P'ra quê? Até se mos dessem não saberia brincar...
Que querem fazer de mim com estes enleios e medos?
Não fui feito p'ra festas. Larguem-me! Deixem-me sossegar!...
Noite sempre p'lo meu quarto. As cortinas corridas,
E eu aninhado a dormir, bem quentinho - que amor!...
Sim: ficar sempre na cama, nunca mexer, criar bolor -
P'lo menos era o sossego completo... História! Era a melhor das vidas...
Se me doem os pés e não sei andar direito,
P'ra que hei-de teimar em ir para as salas, de Lord?
Vamos, que a minha vida por uma vez se acorde.
Com o meu corpo, e se resigne a não ter jeito...
De que me vale sair, se me constipo logo?
E quem posso eu esperar, com a minha delicadeza?
Deixa-te de ilusões, Mário! Bom édredon, bom fogo -
E não penses no resto. É já bastante, com franqueza...
Desistamos. A nenhuma parte a minha ânsia me levará
P'ra que hei-de então andar aos tombos, numa inútil correria?
Tenham dó de mim. C'o a breca! levem-me p'rá enfermaria -
Isto é: p'ra um quarto particular que o meu pai pagará.
Justo. Um quarto de hospital - higiénico, todo branco, moderno e tranquilo;
Em Paris, é preferível, por causa da legenda...
De aqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda;
E depois estar maluquinho em Paris, fica bem, tem certo estilo...
Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas-feiras,
Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.
Agora no meu quarto é que tu não entras, mesmo com as melhores maneiras.
Nada a fazer, minha rica. O menino dorme. Tudo o mais acabou.
Mário de Sá-Carneiro, Caranguejola
E não me façam mais nada!...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!
Lã vermelha, leito fofo. Tudo bem calafetado...
Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira...
Façam apenas com que eu tenha sempre a meu lado
Bolos de ovos e uma garrafa de Madeira.
Não, não estou para mais; não quero mesmo brinquedos.
P'ra quê? Até se mos dessem não saberia brincar...
Que querem fazer de mim com estes enleios e medos?
Não fui feito p'ra festas. Larguem-me! Deixem-me sossegar!...
Noite sempre p'lo meu quarto. As cortinas corridas,
E eu aninhado a dormir, bem quentinho - que amor!...
Sim: ficar sempre na cama, nunca mexer, criar bolor -
P'lo menos era o sossego completo... História! Era a melhor das vidas...
Se me doem os pés e não sei andar direito,
P'ra que hei-de teimar em ir para as salas, de Lord?
Vamos, que a minha vida por uma vez se acorde.
Com o meu corpo, e se resigne a não ter jeito...
De que me vale sair, se me constipo logo?
E quem posso eu esperar, com a minha delicadeza?
Deixa-te de ilusões, Mário! Bom édredon, bom fogo -
E não penses no resto. É já bastante, com franqueza...
Desistamos. A nenhuma parte a minha ânsia me levará
P'ra que hei-de então andar aos tombos, numa inútil correria?
Tenham dó de mim. C'o a breca! levem-me p'rá enfermaria -
Isto é: p'ra um quarto particular que o meu pai pagará.
Justo. Um quarto de hospital - higiénico, todo branco, moderno e tranquilo;
Em Paris, é preferível, por causa da legenda...
De aqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda;
E depois estar maluquinho em Paris, fica bem, tem certo estilo...
Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas-feiras,
Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.
Agora no meu quarto é que tu não entras, mesmo com as melhores maneiras.
Nada a fazer, minha rica. O menino dorme. Tudo o mais acabou.
Mário de Sá-Carneiro, Caranguejola
Subscrever:
Mensagens (Atom)